Bairrismo Intelectual

A Modernidade gerou duas tradições intelectuais opostas, em princípio, no que diz respeito ao conhecimento das sociedades e das culturas.

A primeira é a perspectiva filosófica e científica entendida como verdadeira e universal, que vê nas sociedades e nas culturas “objetos” de estudos. A aliança entre o saber e o poder consolidou um modelo em que o intelectual aparece como porta-voz de uma “verdade” inquestionável e universalmente válida e que colocou a Europa no “centro” do mundo. A expansão da modernidade não se deu apenas pela dominação econômica, militar e política das demais formas de pensamento e produção. Consolidou-se também graças a uma dominação  cultural, que se deu, sobretudo, por meio das instituições científicas, culturais e educacionais. A ciência e a cultura européias difundiram-se enquanto signos de uma cultura supostamente mais elevada, superior e verdadeira, abarcando as demais e constituindo-se como padrão comunicativo.

A segunda é a tradição intelectual que correu por muito tempo fora dos parâmetros da ciência. Tratar-se-ia, antes, de um padrão “literário” ou “artístico” de aproximação às realidades humanas. Shakespeare, o Lazarilho, o Barroco, os autores latino-americanos – para ficar no âmbito Europa-América, rota de origem da Modernidade – conformam um padrão de intelectual-narrrador imerso na cultura e em suas contradições.

Por muito tempo estas duas tradições andaram separadas. Esta separação  só foi quebrada, pioneiramente por autores como os brasileiros Euclides da Cunha e Gilberto Freyre, que trazem para o campo das Humanidades as formas de conhecer e descrever da ficção. Suas obras, de alguma forma, refletem um modelo de intelectual marcado pela contradição, pela narração poética e pela imersão apaixonada nas culturas e nos fenômenos que analisam. Mais recentemente, vários pensadores têm adotado perspectivas semelhantes na crítica aos princípios das Ciências Humanas formulados na segunda metade do século XIX.

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Muitos intelectuais contentaram-se em criticar a “indústria cultural” quando seus próprios corações estavam sendo irremediavelmente invadidos. Sem nenhum pudor, no entanto, serviram-se da mesma indústria para manter sua condição de elite, divulgando sua alta cultura, seus artigos e suas belas fotos em pose de professores doutores.

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LEMOS, Maria A. B.; WINCK, João Baptista; DIMANTAS, Hernani.  Os intelectuais e a cibercultura: além de apocalípticos e integrados.  Disponível em: <http://www.espacoacademico.com.br/033/33clemos.htm&gt;. Acesso em: 26 out. 2008.

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PS: Sensacional!

~ por Raphael em segunda-feira, 18 maio, 2009.

Uma resposta to “Bairrismo Intelectual”

  1. Qualificar uma cultura é muito perigoso. A industria cultural como vc msm diz é tanto capaz de produzir arte cmo lixo. Acredito q existam infinitas tradições intelectuais, todas no fim das contas ligadas de alguma forma e todas elas verdades e todas elas mentiras. O texto está incrivelmente bem escrito e eu talvez mais perdido q antes de lê-lo heheh

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